sexta-feira, setembro 2

House of Cards

[or Debris]

Alguns relacionamentos são como ocas. Outros, mais resistentes, podem parecer mansões – paixões. Até mesmo os castelos, porém, são feitos de cartas: qualquer vento pode pô-los abaixo.

Não, não precisa ser o potente sopro do Lobo Mau; um suspiro enfastiado, um bafo de cachaça, pouco basta para tudo desmoronar.

Ouço a canção do Radiohead que suscita cheiros e memórias mais belos que os entulhos, sobre os quais estou sentado, daquele castelo anunciado.

Só me restou o calabouço.


quinta-feira, julho 14

Corriqueiro


Um casal caminha, abraçado, pelo shopping.

Bernardo [sério] 
Achei meio forçada aquela história do cara ficar cego no acidente de carro. Puta dramalhão.

Maria Alice [empolgada] 
Você não viu o médico explicando? Era cegueira cortical, é irreversível. Olha que genial, o cara precisou perder a visão pra poder olhar pra dentro e resolver os problemas pessoais dele. Ai, eu amei o filme. E as cores, então? Aqueles tomates vermelhíssimos... A-DO-RO Almodóvar.

Bernardo
Eu ainda acho que o do Robert Rodríguez seria melhor. Prefiro o vermelho do sangue.

Maria Alice 
É... Se todos os gostos fossem iguais, o que seria do amarelo?

Bernardo
Sabe que quem escreveu isso foi Machado? E ele é unanimidade. Paradoxal, né? Quer um sorvetinho?

Maria Alice faz que sim com a cabeça, sorrindo.

Maria Alice
Sorvete, sim, é unanimidade.

Os dois caminham até a sorveteria. Bernardo pega uma casquinha de baunilha e Maria Alice, uma mista. Continuam caminhando por um tempo, calados, concentrados em seus sorvetes.

Bernardo 
Sabia que dá pra ler a personalidade de uma pessoa pelo jeito que ela chupa sorvete?

Maria Alice
Como assim?

Bernardo 
Olha, você passa a língua na horizontal, às vezes na diagonal, girando o sorvete. Eu chupo sempre de baixo pra cima.

Maria Alice 
É pro sorvete não escorrer pela casquinha, ué. Tá, mas o que isso quer dizer? 

Bernardo
Que você é meio caótica. Dá pra saber também pelo jeito de tomar chopp. Sabe aquelas marcas de espuma que vão ficando pelo copo? Já notei que as suas são assimétricas, e...

Maria Alice
Pode parar. Lá vem você querendo me julgar de novo. Acho que você devia parar de observar as pessoas e olhar mais pra si mesmo.

Bernardo
Tipo você, que se olha em todo espelho ou reflexo que aparece pela frente? Até na tampa da panela de inox você...

Maria Alice
Olha aí, me julgando de novo.

Bernardo
Não é julgamento, é observação, constatação. Você sabe que eu sou racional.

Maria Alice
Eu acho é que você tá numa semana de insegurança, e isso faz você frisar os defeitos dos outros, pois isso te conforta e faz seus defeitos parecerem normais. Eu li ontem no site do Quiroga, a sua lua entrou em escorpião, e isso é terrível porque...

Bernardo [irritado]
Horóscopo, Maria Alice? Porra, vai me falar de horóscopo agora? Você precisa parar de ler essas merdas, de ler Susan Miller, ler Caio Fernando Abreu, coisas de mulherzinha, ler as profecias maias sobre 2012, ler futuro em borra de café. Isso é completamente irracional.

Maria Alice [triunfante] 
Racional é ler personalidade em copo de chopp, né?

Breve silêncio.

Bernardo [sem graça] 
É... Você ficou com o cartão do estacionamento?

Maria Alice sorri e dá um beijo no rosto de Bernardo.

Maria Alice
Esse não foi só um beijo de inércia de um casal comum, viu?

Bernardo sorri, ainda sem graça.

Bernardo
Tá bom, ô Srta. Almodóvar...

Maria Alice morde um pedaço da casquinha, deixando cair um pouco de sorvete no chão, e ri.

Bernardo sorri, desta vez sinceramente.

Maria Alice abraça Bernardo, aperta sua bunda e, insinuante, diz:

Maria Alice
É melhor a gente ir logo pra casa, hoje é sexta-feira treze.

sexta-feira, dezembro 17

Mariposa


Ao fim de um relacionamento, além daquela certa confusão e falta de rumo, bate uma sensação com a qual boa parte de quem ler as próximas linhas vai se identificar: parece que, depois que você termina, ninguém mais sequer olha para você.

Tu tá lá, namorando, tranqüilo, bonitão, e não para de aparecer mulher caindo em cima. Mas é só terminar, meu camarada, que garota nenhuma vai se interessar por você. Dizem que é coisa de hormônio, mas eu prefiro acreditar que mulher tem um ótimo faro para miséria.

Se a teoria já se aplica à pobreza material, ao sofrimento emocional, então, nem se fala. O mancebo, quando sôfrego, angustiado, deve franzir mais a testa, curvar mais a coluna e, sem dúvidas, emitir alguma essência que nem os mestres perfumeiros da Givenchy conseguem decifrar. E nem querem, pois, ao invés de atrair as fêmeas, esse nosso odor de cão-sem-dona não faz outra coisa que não repeli-las.

Confesso que estou nessa fase. Sinto-me um banco de praça recém-pintado, sozinho, abandonado, sem poder se mexer (quanto drama). O que me resta é esperar, só esperar. Quando passar o cheiro da tinta fresca, alguma bunda deliciosa vai aparecer e sentar no meu colo. Mas, por enquanto, todo mundo passa longe. Quase posso ver a cara feia das meninas quando cruzam comigo. Sentem minha desgraça e evadem.

Dia desses, entrou uma mariposa pela janela do meu quarto. Pensei: mais um ser feminino para farejar minha miséria. Ou seria um sinal? Mas que sinal? Dizem que mariposas trazem azar. Será?

Comecei a procurar. “Mariposa” é como chamam os gays no Paraguai. Será que eu deveria virar veado para parar de sofrer com as mulheres? Não, nem pensar.

A segunda opção, porém, me deu esperanças. Mariposa, em francês: “papillon de nuit”. Em tradução livre, algo como “borboleta da noite”. Olhei para a dona lepidóptera parada em cima do armário e notei que ela não fugiu de mim. Talvez porque eu não mais a visse como um inseto agourento, mas como um bichinho simpático que voa no escuro. E não tivesse mais medo dela.

A maior degradação, companheiro, é o medo. Medo de enfrentar, de caminhar. Medo de seguir. Medo de mudar.

Quem sabe amanhã eu volto a sentir borboletas no estômago por alguém e a miséria volta pro inferno, junto com seu cheiro de enxofre? Era o que bastava para que eu dormisse feliz.

Na noite seguinte, a mariposa voltou. Bateu no ventilador de teto e morreu.

Descanse em paz, querida. Obrigado pela lição.

domingo, agosto 22

Alice

Quero você nua tomando café da manhã sentada no chão do nosso quarto claro sem cortinas e sem vírgulas. E se você sentir frio eu te coloco o casaquinho com capuz. Vamos morar num desses art déco com lustres antigos mas sem interruptores nem interrupções. Pra quando ficar escuro a gente só se ocupar em dormir. Quero você charmosa magra fumando na janela pra fumaça dançar quando tocar a nossa música na vitrola véia.  Te compro umas meias grossas que vão até o joelho pra você se confortar. Vão ser marrons. Quero seu dedão de algodão arrastando na minha canela ressecada. Não quero nem saber de estrelas quero suas séries de TV. Vou ser pequeno feito a sua calcinha e não exigirei nada. Nada. Quando acabar acabou. Ponto final é mais charmoso que vírgula. Quando termina começa outra coisa. Não faz remendos fajutos.

terça-feira, abril 6

No me importa, señor.

Adriana, Alessandra, Aline, Arnaldo...

A lista de chamada era sempre comprida. Cumprida invariavelmente até o final, todo santo dia - e mais ainda nos dias infernais - com uma monotonia maldita que esbarrava nos ouvidos recém-despertos, a declamação em ordem alfabética feita pela "tia" tornava fácil, através da repetição, a tarefa de decorar o nome de todos os coleguinhas da sala, por mais que se realizasse em um horário em que nem todos os sentidos estavam perfeitamente aguçados.

Naquela época, eu associava os nomes a características físicas ou comportamentais que, a meu julgar, diziam tudo sobre a pessoa em questão. Alessandra era a gordinha da lancheira cor-de-rosa que, embora sentasse seu imenso traseiro na primeira fileira, não entendia bulhufas na aula de matemática. Ricardo, sempre o primeiro a chegar à quadra de futsal quando soava o sinal para o recreio, tinha suas inconfundíveis bochechas rosadas sempre salpicadas de gotículas de suor.

Nomes, principalmente no início de nossa vida em sociedade, significam muito. Meu irmão, aos quatro anos de idade, na tentativa de evitar uma desastrosa formação de caráter provocada por um equívoco no momento de escolha das poucas letras que acompanham o sujeito até o fim de seus dias, interpelou assertivamente meu pai, que decidira-se por batizar-me Fábio, protestando: "Como assim? Fábio, não. Fábio é chorão, eu quero Fabiano".

Não creio que a fraterna intervenção tenha sido decisiva na contenção das lágrimas que de meus olhos desabam, embora, para ele, aquilo fizesse o maior sentido do mundo. Talvez houvesse um coleguinha chamado Fábio que chorava sempre que sua mãe o deixava na escola. Quem sabe, um filme da Temperatura Máxima tivesse como protagonista um personagem de mesmo nome que abria o berreiro por motivos bobos. 

Mesmo entre os adultos, quem nunca conheceu uma pessoa de vista e, ao saber seu nome, decepcionou-se completamente? "Pôxa, você não tem cara de Eustáquio". O ponto é que automaticamente associamos nomes a características, qualidades, defeitos. Godofreda não pode ser o nome da deliciosa morena de 22 anos que debruça todo seu charme decotado sobre minha mesa do escritório quando precisa da minha rubrica. De jeito nenhum!

Existe alguma experiência, visão ou impressão que fica guardada em um lugar qualquer de nosso cérebro que é imediata e automaticamente associada a um nome quando o lemos ou ouvimos, provocando sensações boas ou ruins. A boa (ou má) notícia é que essa associação pode ser forjada ou alterada através de alguns meios naturais, e outros não tão ortodoxos.

Um exemplo histórico vem bem a calhar: na China comunista de meados do século XX, o culto à personalidade do "Grande Líder", através de massiva propaganda e repressão, fez com que o nome de Mao fosse adorado pela esmagadora maioria da população daquele país. Algo que, para nós, parecia do mal - menos pela semelhança fonética entre "Mao" e "mau" do que pelos constantes alertas sobre o perigo vermelho em nossas terras -, para eles era motivo de orgulho e veneração.

Por aqui, um fumante de hábitos grosseiros que coçava as partes íntimas em público, o operário e sindicalista cheio de ódio ganhou um sufixo diminutivo, paz e amor. Junto, veio a aprovação. Os ternos Ricardo Almeida e as menções ao time de futebol do coração mudaram completamente a imagem associada a um simples nome de duas sílabas, hoje simpático: Lula.

O perigo das associações automáticas pode ser evitado aplicando-se uma análise racional de propostas, intenções, histórico e caráter de qualquer pessoa ligada a um nome. Afinal, passou-se o tempo em que Luiz era apenas o gordinho carismático lá do fundão, que o professor chamava de “o cara”.

Para finalizar, um exercício: o que lhe vem à cabeça quando você lê o nome “Dora”? Uma babá carinhosa? Uma saudável jogadora de vôlei? A amável cozinheira do refeitório da faculdade? Pois bem, sabe qual era o nome da arma de artilharia nazista mais potente da II Guerra Mundial? Pois é, “Dora” era como nosso querido Adolf chamava seu brinquedinho de destruição.

Mais uma: que tal “Dilma”? Bom, essa eu deixo para você.

quarta-feira, janeiro 27

A inexorável ansiedade do ser

(...) não era um, eram dois. Eram sempre ele e sua robusta ansiedade. A ela, queria matar. E queria não mais ser dois, mas três. Queria ser Fabiano, Xico e Antônio. O Xico, Sá. O Antônio, Prata.

O Xico, pelo escracho inteligente, a safadeza inerente e o portunhol convincente. O Antônio, pela sensível fluidez das idéias mirabolantes e únicas que viravam palavras mirabolantes e únicas em textos redondos.

Enquanto o Xico xarope xingava, Antônio saltitava entre parágrafos. E Fabiano engatinhava ali no meio, escrevendo sem personalidade, cheio de dúvidas entre suas vírgulas. Porque ansiava e sofria, antecipado. (...)


*Parte do texto que escreverei quando for um escritor de sucesso. Não que eu esteja ansioso para sê-lo, mas pra que deixar para amanhã o que se pode fazer hoje?

sábado, janeiro 23

Disneylândia II

Foi o Rubem Fonseca quem começou. Abusou de mitologia, inglês e francês para dizer que as putas pobres do Rio de Janeiro não estavam aptas a entender o wit de seus contratantes. Terminado o conto, fechei o livro e entrei na sala para ver o filme americano. Warren Beatty e Faye Dunaway empunhavam suas Smith-Wesson em sua jornada pelo sul dos EUA. Foram mortos por armas talvez da mesma marca. The End.

Saí do filme, li o short message service no meu Motorola e liguei para minha amiga atriz recifense que conheci em São Paulo e filmava seu programa em Buenos Aires, para um canal infantil americano. Combinamos um carioquíssimo chopp para mais tarde.

Resolvi ver o mar. Na ciclovia, pedalava Antonio Caloni, ator de sucesso, descendente de italianos. No calçadão, caminhava Iran, ex-BBB (programa criado na Holanda) de quase sucesso, descendente de africanos. Na areia, a porrada comia solta. Um bando de brancos, mamelucos, caboclos e mulatos fracassados. E olha que o Haiti não é aqui. No Rio, você não precisa assistir a Avatar e nem de óculos especiais para ver a vida em três dimensões.

Nos auto-falantes berrava uma banda nova-iorquina cujo baterista é brasileiro. Acelerei o carro da montadora japonesa para chegar logo em casa e escrever um texto sobre globalização. Mas lembrei que os Titãs já haviam feito isso em Disneylândia, do álbum Titanomaquia, mais de dez anos atrás.

Talvez, se eu tivesse um relógio suíço, não chegasse tão atrasado.

sexta-feira, novembro 6

@fbattaglin tem texto novo no blog.



Tem duas coisas nas quais eu reparo mais do que em outras: mapas e o uso da língua portuguesa. Por exemplo, não gostei da frase aí de cima. Pode parecer ridículo, mas se um mapa geopolítico da Alemanha democrática pós-reunificação ou uma mesóclise quase me levam ao orgasmo, o problema é meu.

Pois bem, vamos à Nossa Língua. Acho interessante a variedade e a riqueza das frases de MSN, Twitter, Orkut, Facebook ou de qualquer outra desculpa tecnológica para matar trabalho.

Além de excessivas abreviações e erros ortográficos, não existem muitas convenções ou regras no que tange à construção dos períodos que são expostos a milhares de pessoas (se você é pop) ou àqueles seus 3 seguidores (loser) nesse mundo sem leis.

Uma das coisas que me intrigam é o fato de começar a ler uma frase sem saber se ela foi escrita em primeira ou terceira pessoa. Explico: “@marialuiza tá muito quente hoje!” E aí, é a Maria Luiza fazendo considerações exclamativas sobre o tempo ou a garota está num período de tensão sexual? Febre, talvez?

A ambigüidade é incitada pela pergunta feita na caixa de texto destinada à escrita da frase (o que você está fazendo?) somada ao modo como é visualizado o que o usuário escreveu. Muitas vezes, não há espaço entre o nome da pessoa e a frase por ela escrita.

Outro episódio: abro o MSN e deparo-me com um “Ighor – vendo jogo”. Pensei que, finalmente, ia encontrar aquela edição de luxo limitada do War que procurava há séculos. Mas, não. Era apenas um tricolor desesperado vendo seu time tentar uma vaga na semifinal da Sul-americana.

Eu critico, mas sei que a vida é assim. Nunca sabemos ao certo o que encontraremos. Aliás, quase nunca. Se o Pelé usasse o Twitter, com certeza usaria só a terceira pessoa. Ou seria o Edson?

quarta-feira, novembro 4

Fé demais


stillness
Upload feito originalmente por ღĴęNňζ™




Brisa ideal das costas largas
platônico vento alcança?
Vento e música: ato puro
sexo alcança?

Mergulha, procura, Epicuro.
O lado de cá cansa.

quinta-feira, outubro 29

O passado


CHUBBY SWINGER KID
Upload feito originalmente por BIGAWK



A partir de hoje, vou procurar ilustrar os textos com fotos bacanas que encontro nas minhas andanças pelo Flickr. Deixo claro que os autores estão indicados logo abaixo das fotos/desenhos/ilustrações. Não deixa de ser um incentivo aos direitos autorais num mundo virtual quase sem leis, onde qualquer texto é do Jabor, do Veríssimo ou do Quintana e o trabalho de fotógrafos e artistas é ignorado.

Para inaugurar, um desenho genial que me faz voltar à minha infância robusta e corada. Swing, chubby boy!

segunda-feira, outubro 19

Realidades da economia e da política explicadas por fábulas(?) virtuais

Se o mercado de virtual estate americano entrasse em crise hoje, o Brasil só sentiria uma “marolinha”. Mesmo após a quebra do Facebook Brothers, o país se recuperaria muito mais rapidamente do que seus concorrentes. Afinal, brasileiro é atrasado e só usa Orkut.

O pré-sal é o Orkut do Brasil. Enquanto outros países tuítam novas formas de energia renovável, o governo Lula resolve mandar scrap.

Obama fez uma bruta campanha usando o twitter como ferramenta de comunicação direta com os eleitores. Alguns meses depois, a Petrobras monta um blog como mecanismo de intimidação para dificultar o trabalho da imprensa.

E ainda tem gente pessimista que diz que o Brasil será eternamente o país do futuro.

terça-feira, outubro 6

O último nostálgico

Enquanto na fila para assistir ao enésimo filme no Festival do Rio, vejo Arnaldo Jabor saindo da sessão anterior. Surpreendo-me, menos por tietagem do que pela aparência acabada do grande e exemplar escritor-cineasta-cronista-crítico brasileiro.

Na qualidade de ex-integrante de uma comunidade de rede social dedicada a ele, senti-me na obrigação de observá-lo por alguns instantes. Elogiei mentalmente a equipe de maquiadores da Globo, que habilmente disfarça a avançada idade que Arnaldo deixa transparecer numa despretensiosa sessão de cinema de segunda-feira. Aquelas marcas de expressão trouxeram-me a explicação para a partícula “ex” anexada ao substantivo “integrante”, na frase que inicia este parágrafo. De uns tempos para cá, as crônicas de Jabor me vinham fatigando. As doses exacerbadas de sua visão nostálgica pulverizaram de tédio não só seus textos, mas também minha admiração por ele, iniciada há alguns anos, quando minha primeira sogra presenteou-me com um de seus livros.

Sempre fui um crítico contumaz da nostalgia. Ouvia desconfiado, desde cedo, os tios contando vantagens de sua mocidade. “Eu, na sua idade, não estava na barra da saia de mamãe pedindo doce. Estava jogando bola, correndo, era o melhor lateral-direito do bairro”. Reprovava os amigos bêbados de meu pai que diziam “pegar as mais gatas da faculdade, ir a todas as festas e ainda tirar notas boas”. Não dava ouvidos nem ao meu avô, que afirmava que “no governo Vargas, isso não acontecia”.

A nostalgia é a porção otimista de um retrovisor multifocal que aumenta ou diminui o que passou, dependendo do ângulo pelo qual é olhado.

Sempre acreditei – ou tentei acreditar – que o melhor momento de nossas vidas é agora. Meu escapismo romântico me leva aos sonhos, não ao passado. Quem sabe, um pouco ao futuro.

Enquanto observava Jabor indo embora, notando seus cabelos para lá de grisalhos e seu modo já ineficiente de caminhar, imaginei-me daqui a quarenta ou cinqüenta anos.

Ao ler os velozes grunhidos dos usuários da mais nova ferramenta de comunicação e informação, vagos, rasos e fugazes, eu olharia para o espelho, para minhas rugas, buscaria um ângulo mais favorável e diria: “não se fazem mais escritores-cineastas-cronistas-críticos como os de antigamente”.

quinta-feira, outubro 1

ENEM? Nem.

O que o Exame Nacional do Ensino Médio e a Gillette têm em comum? Aparentemente, diria alguém desavisado, nada. Porém, ao se analisar minuciosamente os acontecimentos dos últimos meses, pode-se perceber que há grande conexão.

Em agosto deste ano, a Gillette lançou na internet um simulado do novo ENEM (www.mach3apostaemvc.com.br), para que os estudantes pudessem testar seus conhecimentos e se preparar para a prova, que ocorreria nos dias 3 e 4 de outubro. À primeira vista, a ação, comumente praticada apenas por empresas diretamente ligadas à educação, como escolas, cursos pré-vestibular e veículos de comunicação direcionados a estudantes, não fazia muito sentido. Entretanto, um olhar mais atento às práticas contemporâneas de marketing revela uma excelente estratégia por parte da marca de lâminas de barbear. A intenção da Gillette era trabalhar sua imagem junto a um público jovem que poderia comprar seus produtos durante um longo período. Afinal, cerca de 50% dos inscritos na prova passará o resto da vida fazendo a barba, enquanto a outra metade poderá utilizar os produtos em pernas, axilas e outras partes do corpo que julgue necessário.

A idéia de fidelizar uma grande parcela da sociedade, no entanto, não foi apenas da Gillette. Na verdade, esta apenas aproveitou-se de uma tática populista e eleitoreira engenhada pelo governo federal e pelo PT, aplicada pelo MEC e sua cabeça pensante, na figura do ministro Fernando Haddad (que, dizem, pleitearia um cargo executivo ou legislativo no ano que vem). A instituição resolveu, no primeiro semestre de 2009, mudar o sistema de seleção de candidatos a vagas nas universidades brasileiras, sob o pretexto de facilitar a vida dos estudantes que, segundo as justificativas do ministério, gastavam tempo e dinheiro excessivos para poder participar dos processos seletivos de várias universidades por todo o país. A proposta era unificar os vestibulares em uma só prova, que foi pintada como a solução para os problemas dos jovens brasileiros – principalmente os de classe mais baixa: o todo-poderoso novo ENEM.

A detecção dos problemas foi eficaz. A proposta de intervenção seria eficiente, caso não falhasse em vários aspectos, dos quais enumeram-se apenas alguns a seguir:

1 – planejamento e respeito aos trâmites de adaptação dos alunos e das instituições de ensino médio foram ignorados;

2 – várias das universidades públicas não aderiram à unificação dos processos seletivos;

3 – a maioria das universidades que aderiram utilizará o ENEM apenas como parte de seu processo de seleção, mantendo a segunda fase do processo no modelo tradicional e, em alguns casos, mantendo também sua primeira fase;

4 – o candidato teve de pagar, além da inscrição para o ENEM, taxas de inscrição para as outras provas que compõem os processos seletivos citados no item 3;

5 – o novo ENEM é composto por 180 questões de múltipla escolha, mais uma redação, a serem completados em 10 horas de prova, modelo que, ao invés de privilegiar o conhecimento, dá mais importância à resistência física do candidato;

6 – questões da prova vazaram dois dias antes de sua aplicação, quebrando a confidencialidade e, juntamente com esta, a credibilidade do processo e também da instituição que o idealizou.

Devido ao derradeiro imbróglio com o sigilo das questões, o MEC anunciou, em 01/10/2009, o adiamento da prova por pelo menos 45 dias, o que certamente prejudicará o calendário das universidades que dependem dela para a seleção de candidatos. O resultado é uma grande interrogação pairando sobre a cabeça dos 4,1 milhões de estudantes inscritos, que já não sabem quando e como serão realizadas as etapas mais importantes da atual fase de suas vidas.

A estratégia do governo, de conquistar jovens eleitores que, teoricamente, teriam seu ingresso em instituições de ensino superior feito de forma mais justa, parece ter saído pela culatra. A Gillette pode até ter sucesso em conquistar jovens clientes. Já o governo, cuja intenção era fazer barba, cabelo e bigode com uma fatia significativa de jovens eleitores, termina por cravar uma lâmina na própria garganta.

É o Brasil.

quinta-feira, março 5

De novo?

A imagem, para não dizer linda, era simpaticíssima. Eu caminhava pelo Arpoador, aproveitando minha última semana de ócio no Rio de Janeiro, quando vi, na areia, um garoto de seus 13 anos, solitário, brincando sorridente com sua bola. A cena levou-me de volta à infância, quando, embalado por Romário e Bebeto em sua jornada rumo ao tetra, eu mirava a pelota no ângulo e soltava meu petardo de direita. Se realmente houvesse alguém defendendo a meta, ou mesmo um zagueiro que eu brilhante e imaginariamente driblava, seria um gol de placa.

O garotinho do Arpoador era uma alegria só. No seu Maracanã de areia, seguia ávido em direção às traves de garrafas pet. Ele próprio era o atacante, a torcida e o narrador. O sorriso e o brilho no olhar revelavam o júbilo sonhado por todo brasileiro: o gol no estádio lotado, narrado com empolgação e emoção por uma lenda do jornalismo esportivo. Na comemoração, corria em direção ao mar – neste caso, literal – de torcedores que o exaltavam como ídolo do time do coração.

O saudosismo, via de regra, nos leva a dizer que não existem mais craques, torcidas e tampouco narradores como os de antigamente. Porém, não me enquadro nessa categoria de saudosistas pessimistas, daqueles que não conseguem encontrar beleza em banda nova, carnaval atual ou carro do ano. Acho que o Keirrison tem potencial para ser craque, a torcida do Flamengo anda cada vez mais criativa e a nova safra dos narradores esportivos está muito bem representada por grandes nomes como... er... hum... Luís Roberto, talvez.

“... ele se orgulha de praticar um estilo novo de narração, pontilhada por informações reunidas em horas de pesquisa, e menos baseado na voz potente, como os telespectadores se acostumaram a ouvir desde os “speakers” antediluvianos. Na véspera de cada transmissão, Luís Roberto senta-se em frente ao computador e só sai após acumular um calhamaço de dados sobre times, juízes, jogadores, estádios e competições. O hábito fez dele um arquivo ambulante, que muitas vezes esclarece dúvidas de companheiros no ar, em tempo real.” Do site da ABERT.

Fiquei surpreso quando ontem, durante a transmissão de Flamengo x Ivinhema pela Rede Globo, o excelente narrador e pesquisador supracitado cometeu uma pequena gafe: disse que o timaço que enfrentava o Flamengo (o jogo terminou 5x0 para o rubro-negro) havia disputado o campeonato mato-grossense. Cerca de dez minutos depois, muito provavelmente alertado pelo ponto eletrônico (e, mais provável ainda, pela chuva de e-mails de sul-mato-grossenses exaltados), sutilmente frisou que o Ivinhema era o campeão do Mato Grosso do Sul.

Um pouco desapontado com o episódio e a falta de preparo geográfico do jornalista, pensei: “se eles têm o ponto eletrônico, nós temos o controle remoto”. Apanhei o dito-cujo e fui direto para a Band.

Corinthians x Itumbiara, também pela Copa do Brasil. Senti um certo alívio ao ouvir a voz de um narrador mais experiente e calejado, o famigerado Luciano do Valle. E por falar em experiência, além da possível estréia de Ronaldo pelo Timão, a partida contava ainda, no que tangia à velharia, com mais dois exemplares da velha-guarda brasileira: Túlio Maravilha e Denílson estavam em campo pelo Itumbiara. Pinta a bolinha na tela. Luciano anuncia: “Tem gol! Será que é na Libertadores? Será que é na Copa do Brasil?” Um calor, misturado ao medo, tomou conta do meu corpo, já prevendo mais uma gafe na minha noite de quarta-feira. E não deu outra. “Olha o Flamengo! Fez um a zero no Ivinhema, do Mato Grosso”. Pelo menos não foram necessários dez minutos e nem ponto eletrônico para a correção. Imediatamente, o comentarista e ex-jogador Neto (que não é jornalista), corrigiu o locutor: “Mato Grosso do SUL”.

Confesso que o fato de eu ser nascido no Mato Grosso do Sul foi capital na resolução de escrever este texto, mas a questão aqui é mais que xenófoba, regionalista, bairrista, o que for. A questão é a falta de informação. Ou, por incrível que pareça, o excesso dela.

A disponibilidade de informação e a facilidade de obtê-la tornaram-se tão grandes que, hoje em dia, ninguém mais sabe de cor e salteado os planetas do sistema solar, a tabuada ou as capitais dos estados brasileiros. Por quê? Fácil. É uma conjunção de três fatores que, dependendo do modo como forem utilizados, podem servir para a informação ou a desinformação. São eles: Google, CTRL+C e CTRL+V.

Por saber que, a qualquer hora do dia e da noite, é só mexer no mouse para tirar seu computador do modo “economia de energia”, acessar o Google (isso se já não houver a barra do Google em seu navegador) para se obter a informação que se deseja, as pessoas não têm mais a obrigação de decorar “Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Plutão”, como antes. (Eu sou da época em que Plutão ainda era planeta.)

O problema surge quando você não tem tempo de consultar a internet antes de falar, como no caso de Luís Roberto e Luciano do Valle. Ninguém tem a obrigação de saber que o Ivinhema é um time do Mato Grosso do Sul, mas deveriam todos os brasileiros saber que Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são dois estados diferentes (já faz 30 anos!) e que não se usa o mesmo adjetivo gentílico para se referir a algo ou alguém de origem de um estado ou do outro.

Morei quase 4 anos em São Paulo, agora moro no Rio. Posso contar nos dedos de uma das mãos quantas vezes ouvi alguém falar Mato Grosso do Sul, ao invés de Mato Grosso. Na verdade, creio que poderia até contar nos dedos da mão esquerda do Lula. A propósito, será que o nosso presidente sabe que Campo Grande fica no Mato Grosso do Sul?

Podem argumentar que o Mato Grosso do Sul deveria ter adotado outro nome, para evitar confusão. Concordo que ajudaria, mas enfatizo que o problema não está só no nome do meu estado, e sim na preguiça – e, às vezes, ignorância - de muitos indivíduos. Só para constar, durante uma narração em setembro de 2005, Luís Roberto informou que “o Internacional ganhou do Rosario Central em Rosario Central”. Vale esclarecer que o nome da cidade argentina é apenas Rosario. Já Luciano do Valle, na mesma partida acima relatada, chamou por mais de uma vez a equipe adversária do Corinthians de Itumbiaria.

Para aqueles que também se indignam com gafes e desrespeitos desse cunho, disponibilizarei um modelo de e-mail a ser enviado quando da ocorrência de mais uma(s) dessa(s) mancada(s) em rede nacional:

“Quando será que os digníssimos e gabaritados profissionais da ________________ (nome da emissora) dar-se-ão conta de que Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são estados diferentes desde 1979? Estou profundamente desolado com o crasso erro cometido por __________________ (nome do narrador, comentarista, repórter, etc.) durante o ____________________ (nome do programa ou partida), em ___/___/______ (data).”

Autorizo todo e qualquer cidadão a utilizar o modelo acima. Espero ter auxiliado aos que partilham de minha opinião. Afinal, pra que redigir um e-mail, se podemos usar o CTRL+C e CTRL+V?

quinta-feira, fevereiro 19

Internet Banking CAIXA - Reclamação 1283141

Quatro dias após efetuar uma reclamação sobre o Internet Banking Caixa junto à Ouvidoria da instituição [vide post anterior], recebo, via e-mail, a tão esperada resposta contendo – ou, pelo menos, assim esperava eu – a solução para meu problema.

Publico aqui, na íntegra, a reprodução da carta, em negrito. Minhas respostas (em itálico), infelizmente ficam no âmbito da imaginação. A instituição referida não se digna a responder por telefone uma reclamação realizada pelo mesmo meio. Evita, assim, mais importunações causadas por clientes idiotas que acreditam valer de algo criticar construtiva e educadamente os serviços deficientes pagos através de tarifas exorbitantes.

Critico a instituição e dirijo-me a ela como um todo, pois o e-mail não foi sequer assinado por uma pessoa que arriscasse seu nome ao representar o banco.

Aí vai. Deleitem-se.


Prezado Sr. Fabiano
Chegou ao nosso conhecimento a sua reclamação sobre o Internet Banking Caixa, mais especificamente sobre a utilização de navegadores.

Correto. Go ahead.

Gostaríamos de pedir desculpas pelos transtornos que porventura tenham sido gerados e esclarecer que o Internet Banking aceita qualquer browser que tenha como sistema operacional Windows.

O que você quer dizer com “aceita”? Seria no sentido de “ser compatível com”? Pois isso é o que me interessa, e me parece que não foi o caso. Mas isso são águas passadas. Façamos o seguinte: eu aceito suas desculpas, o Internet Banking aceita meu Internet Explorer 7. Fechado?.

Em alguns (como o Chrome, por exemplo) poderá ocorrer um pequeno problema de configuração, mas não impede sua utilização.

Não é o meu caso. Eu uso o Windows e o meu navegador é o Internet Explorer 7.

Quanto ao Firefox 3, o problema não está no Internet Banking e sim no registro ICP no Brasil da empresa desenvolvedora do browser.

Será que eu já mencionei que uso o Internet Explorer 7?

Em caso de dúvidas ou problemas no momento do cadastramento, por favor, entre em contato com a nossa central de atendimento pelo 0800 726 0104, que atende 24 horas por dia e todos os dias da semana, e solicite auxílio online para realizar o cadastramento, informando sistema operacional, navegador e versão.

Poxa... lembro desse número de algum lugar... Ah, já sei! Não foi o número para o qual liguei logo que tive problemas no cadastramento?

Caso não saiba, um de nossos atendentes o auxiliará na obtenção dessas informações.

Sim, a atendente me ajudou muito! Pediu para clicar em Ajuda>Sobre o Internet Explorer para verificar a versão do navegador. Segui as instruções e informei que usava a versão 7.

Gostaríamos de esclarecer que o navegador Internet Explorer 8 da Microsoft encontra-se em sua versão beta, ou seja, ainda passando por testes e podendo ser modificada a qualquer momento.

[Crianças, fechem os olhos.] PUTA QUE PARIU! Quantas vezes vou ter de repetir que a minha versão é a 7? S-E-T-E. Quer em algarismos romanos? VII.

A CAIXA, por se tratar de uma empresa grande e em respeito aos seus clientes, utiliza em seus serviços os navegadores mais utilizados no mundo e que já estejam homologados.

Por acaso vocês já ouviram falar no Internet Explorer 7? Será que ele já foi homologado?

Enquanto a Microsoft não oficializar a versão do IE 8, não poderemos realizar testes e adaptações para sua utilização, por motivos de segurança, para resguardar quaisquer imprevistos que possam ocorrer com tais ferramentas.

Tá, mas e o Internet Explorer 7?

Tenha certeza de que não estamos insensíveis às manifestações legítimas dos usuários de nossos serviços e de que estamos firmemente adotando as ações que estão ao nosso alcance.

Tenho certeza absoluta. Afinal, isso prova que minha reclamação chegou até você, Sra. Gerência, que, com a maior boa-vontade do mundo, analisou A FUNDO meu problema e FORMULOU essa resposta deveras esclarecedora.

Esperamos contar sempre com seu auxílio para melhorar nossos serviços.

Já que esperam, aqui vai mais um: quando receberem alguma reclamação, leiam atentamente o que o operador de telemarketing de vossa Ouvidoria descreveu. Após copiar e colar uma carta-resposta genérica, adaptem as palavras ao objeto da manifestação legítima do estimadíssimo usuário de vossos serviços. Trocar um “8” por um ‘”7” antes de clicar em “Enviar” faz muita diferença para quem recebe o e-mail.

Muito obrigada

De nada, é sempre uma honra receber e-mails ao invés de telefonemas. Assim vos poupamos os ouvidos, pois não podemos contestar todas as vossas afirmações de imediato.

Gerência Nacional de Internet

Sra. Gerência, que nome raro a senhora tem! É de origem espanhola? Sinto que conversaremos muito daqui em diante. Posso te chamar de Gê?

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Caixa, tenho orgulho de ser teu cliente. Representas muito bem o nosso país.