terça-feira, outubro 6

O último nostálgico

Enquanto na fila para assistir ao enésimo filme no Festival do Rio, vejo Arnaldo Jabor saindo da sessão anterior. Surpreendo-me, menos por tietagem do que pela aparência acabada do grande e exemplar escritor-cineasta-cronista-crítico brasileiro.

Na qualidade de ex-integrante de uma comunidade de rede social dedicada a ele, senti-me na obrigação de observá-lo por alguns instantes. Elogiei mentalmente a equipe de maquiadores da Globo, que habilmente disfarça a avançada idade que Arnaldo deixa transparecer numa despretensiosa sessão de cinema de segunda-feira. Aquelas marcas de expressão trouxeram-me a explicação para a partícula “ex” anexada ao substantivo “integrante”, na frase que inicia este parágrafo. De uns tempos para cá, as crônicas de Jabor me vinham fatigando. As doses exacerbadas de sua visão nostálgica pulverizaram de tédio não só seus textos, mas também minha admiração por ele, iniciada há alguns anos, quando minha primeira sogra presenteou-me com um de seus livros.

Sempre fui um crítico contumaz da nostalgia. Ouvia desconfiado, desde cedo, os tios contando vantagens de sua mocidade. “Eu, na sua idade, não estava na barra da saia de mamãe pedindo doce. Estava jogando bola, correndo, era o melhor lateral-direito do bairro”. Reprovava os amigos bêbados de meu pai que diziam “pegar as mais gatas da faculdade, ir a todas as festas e ainda tirar notas boas”. Não dava ouvidos nem ao meu avô, que afirmava que “no governo Vargas, isso não acontecia”.

A nostalgia é a porção otimista de um retrovisor multifocal que aumenta ou diminui o que passou, dependendo do ângulo pelo qual é olhado.

Sempre acreditei – ou tentei acreditar – que o melhor momento de nossas vidas é agora. Meu escapismo romântico me leva aos sonhos, não ao passado. Quem sabe, um pouco ao futuro.

Enquanto observava Jabor indo embora, notando seus cabelos para lá de grisalhos e seu modo já ineficiente de caminhar, imaginei-me daqui a quarenta ou cinqüenta anos.

Ao ler os velozes grunhidos dos usuários da mais nova ferramenta de comunicação e informação, vagos, rasos e fugazes, eu olharia para o espelho, para minhas rugas, buscaria um ângulo mais favorável e diria: “não se fazem mais escritores-cineastas-cronistas-críticos como os de antigamente”.

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