quinta-feira, novembro 23

Metamorfose

O despertador me avisa que já são sete e meia. Grita comigo e diz que a ducha gelada vai me ajudar a acordar. Depois de 5 esticadinhas apertando o soneca, concordo com ele e me arrasto pro banheiro. A banheira parece ter 2 metros de altura, tamanha a preguiça de levantar a perna para transpô-la rumo ao chuveiro. Olho, não acredito, esfrego os olhos. Mas continua lá: uma calcinha bege, broxante, pendurada na maçaneta do box.

Desconhecendo a origem da peça, e tampouco sua proprietária, decido jogá-la no lixo. É tão feia que não merece nem um espacinho na coleção. Atiro a calçola ao cesto, mas ela esbarra numa barreira vermelha. Sangue. Um absorvente encharcado, que alguém não se deu ao menos o trabalho de enrolar no PH pra camuflar um pouco a nojeira. Tampo a lixeira e resolvo dar aquela mijada matinal. Enquanto tento descobrir quem é a porca que passou pelo meu toilette, levanto a tampa da privada e abaixo o elástico da samba-canção grená levemente descosturada nos fundilhos, pra libertar o meninão, ávido por descarregar a amiga bexiga. Ué. PORRA, CADÊ MEU PINTO?

Bate o desespero. Corro pro espelho derrubando escova de dente, cotonete, o coração a mil, e lá estou eu: nem um pelinho sequer na cara, cabelos longos e desarrumados, não tenho mais dúvidas. Virei uma mulher. E o pior de tudo, gorda e feia. Na verdade nem tão gorda, mas agora que sou uma fêmea, tenho a obrigação de querer emagrecer dois quilinhos. Levanto a camiseta da eleição de 89 pra dar uma checada na peitchola, e descubro que meus peitos são caídos. Faço o teste da caneta, e ela não faz nem menção de desabar ao chão. Pô, nem pros bicos serem rosadinhos! Logo eu, que sempre abominei os mamilos amarronzados, sou dono agora de dois exemplares quase mulatos.

Adeus punhetinha antes de dormir, adeus caminhada sem camisa até a padaria. Mijar em pé então, nem pensar. Tenho que aprender a fofocar, chamar a amiga pra ir ao banheiro, descobrir as propriedades rejuvenescedoras do pepino.

Preferia ter virado bicho. A metamorfose do Kafka era mais suave. Insetos não discutem relação, não precisam de cosméticos e não têm desejo de comer um Ferrero Rocher às 4 da manhã num sítio a 50 km da cidade mais próxima.

Já sinto a dor da cera quente me espostejando o buço e a virilha. Mas aceito a idéia, afinal gorda, feia e peluda, sem chance!

Puta que pariu. Bom, pelo menos agora eu posso chorar. Recosto-me no troninho, as lágrimas fazendo de meu rosto um leito, e aproveito pra experimentar a dolorosa experiência de mijar sentado. Sentada. Ainda tem que secar a perseguida depois. Droga. Pra piorar a situação, ao apalpar meus novos lábios através do Personal folha dupla aromatizado (nada de papel-lixa daqui pra frente), noto que minha vulva não é nada apertadinha. Se ainda fosse homem, chamaria de prexeca desbeiçada.

Desolada e deprimida, fecho os olhos e penso em tomar um Lexotan. É quando toca o despertador. Ufa, foi um sonho. Dou uma conferida no pingolim. Tudo em ordem. Olho para o lado e aquela deusa loira do serviço dorme tranqüila como uma donzela. Estaria ainda mais tranqüila se eu a tivesse feito gozar. Tarefa difícil essa... fazer uma mulher gozar. Fazer o quê, é nossa obrigação pelo menos tentar. O homem tem a árdua missão de achar o tal do ponto G e fazer a parceira gozar. Respiro fundo e penso com meus botões: ah, como eu queria ser mulher!


*Fabiano Battaglin é publicitário, aspirante a escritor e adoraria conseguir fazer as mulheres gozarem.

Divagando com Marcelo

Acabo de sair do banheiro.

Geralmente, quando cago, largo também pela latrina, além da bosta, muita coisa que sai da cabeça. Fico pensando sobre assuntos variados. Desde minha viagem pra Europa que estou programando, até o jogo do Barça que acabei de assistir.

Hoje resolvi dar uma cagada cultural. Já que estava sozinho em casa, deixei a porta aberta pra poder ouvir o som do The Kings of Convenience que tava rolando no meu media player. Além disso, peguei um livro do Marcelo Rubens Paiva que tava na fila, encostado na cabeceira há séculos, esperando eu destravar e conseguir terminar Crime e Castigo, do tio Fiódor. Ô cara que escreve truncado.

Já na privada, comecei a ler Feliz Ano Velho. Minha mãe indicou (e me deu) o livro logo depois que sofri um acidente de carro. Só lembrei o motivo do presente hoje, quando, na hora de limpar o rabo, tive que repousar o livro no chão, aberto, com as páginas viradas para baixo de modo a não desmarcar o ponto em que parei. Comecei a ler, de pescoço meio esticado e olhos semicerrados (sou míope), algumas críticas na contracapa. Uma das passagens era algo assim: “... Marcelo não perdeu a paixão pela vida.”. Então lembrei da frase de MSN que acompanhava o nick de uma amiga com quem acabara de conversar: “O tolo busca felicidade, o sábio evita o sofrimento”. Tem a ver com paixão pela vida. E eu disse a ela que não concordava, que a frase deveria ser o oposto. Sábio é aquele para quem não basta apenas não sofrer. Tem mesmo é que buscar a felicidade! Só não ser triste é um saco. O negócio é ser feliz.

Aí já fiquei puto comigo mesmo, porque a cagada cultural tinha ido por água abaixo (perdão pelo trocadilho) e virado apenas mais uma de minhas divagações banheirísticas.

É por isso que eu odeio limpar o rabo. Além de ser muito desagradável apalpar o ânus, você tem que parar a leitura, e muitas das vezes é numa parte super interessante. Aí você pensa na famosa lei de Murphy. Quando vai pro banheiro sem nada pra ler, a bosta demora anos pra sair. Já quando está interessadíssimo no livro, revista ou jornal, parece que o fundo da privada tem um ímã merdístico. Em menos de um minuto, serviço encerrado. Pronto, leitura interrompida pra limpar a merda do rabo! Literalmente...

Agora deixa eu voltar pra minha leitura. Dessa vez, na sala mesmo.

Sexo - com amor - como fator preponderante no tratamento da patologia saudade

“A Verônica ta precisando é de pica!”

Pica tem na esquina, na loja de conveniências eróticas (nova denominação sutil para os famigerados sex shops). Mas ela não quer qualquer pica. Quer “aquela” pica super deluxe plus 3.0 special edition, que nem mesmo a Polishop vende, que vem num pacote com cheiro, pele, voz, abraço, beijo, paixão. Amor.

Já viu um casal que se ama reencontrar-se após um longo período de saudades, de seca? Coloque ao lado um casal que se vê todo dia. Dá até pena. Não raro observar alguns invejosos, mal-amados ou apenas bem-humorados expectadores atentos aos amassos dos pombinhos saudosos exclamarem frases do tipo “separa que é briga!”. E de certa forma, é uma briga.

Os corpos parecem travar uma infindável batalha contra leis da física, da impenetrabilidade, tentando a todo custo ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo. O encontro dos sexos é impreterível. O ato, iminente. Nessa hora não tem conta pra pagar, não tem guerra, não tem CPI, porra nenhuma. Só os dois. Que são um.

Se a vingança é um prato que se come frio, o prato da saudade está quente e transbordando. Verbo comer sem conotação alguma, por favor.

Chegam ao orgasmo. Ah, o orgasmo! Nem o teto escapa. O tesão armazenado é liberado, lambuzando cada centímetro quadrado do recinto. Literalmente, rios de prazer. Puta que pariu, como é bom gozar.

Depois ficam os dois ali, abraçados, tranqüilos só de saber que é o outro que tá do lado. Vide o sucesso da comunidade Dormir de conchinha, no orkut. A proteção no peito do outro após o sexo é um dos raros momentos na vida quando não se pensa em nada. Absolutamente nada.

Schopenhauers e Nietzsches da vida podem até vir com teorias pessimistas anti-altruísmo e dizer que você só busca relações desse tipo procurando satisfação própria. Mas só o fato de aquela pessoa ali ao lado – e ninguém mais - conseguir te fazer sentir assim já é suficiente para nutrir um puta sentimento por ela. Querê-la bem. Amá-la. E sentir saudades.

“E aí Fonseca, fodeu pra caralho no feriado?” “Fodi, não. Fiz amor.” “Iiiih, lá vem ele com essa estória de amor... Fodeu ouvindo Roberto Carlos também?”

Tudo bem. Amor só é brega pra quem não sente.


*Fabiano Battaglin é publicitário, e um defensor convicto da breguice do amor.

Lennon, JFK e a hipocrisia deslavada

Deu no Terra: “Piano de Lennon é levado ao local onde JFK foi morto”. Tá. E daí?

O encontro icônico dos mitos assassinados realmente é de extrema importância para a paz mundial. Com certeza, a partir desse gesto deveras relevante, milhões de assassinos por todo o mundo se conscientizarão de que matar é feio.

Enquanto isso, na sala da justiça... Mr. Bush decide, no mamãe-mandou, qual é o país da vez. Atacar a China, pra conter a ameaça econômica? Os Emirados Árabes, pra abocanhar mais alguns galões de petróleo? Por que não o Brasil? A Amazônia é valiosa. O estrago é pequeno, mesmo. A China é superpopulosa, os árabes são todos muçulmanos, e índio não é nem civilizado!

A coisa que mais me incomoda ultimamente, fora minhas hemorróidas, é a hipocrisia geral instalada around the world. Seja ela religiosa, puritana, política (né, Lulinha?), amorosa, o escambau.

Segundo o dicionário de sinônimos Michaelis – UOL (que uso com absurda freqüência para não pulverizar meus textos com palavras repetidas), eis a definição de hipocrisia: sf. fingimento, falsidade, dissimulação, disfarce. E não para por aí. Clique em “contexto”, e a lista aumenta: duplicidade, farisaísmo, impostura, máscara, mendacidade, momice, rebuço, refolho. Ou seja, tem espaço de sobra pra ser hipócrita sem ser repetitivo.

Um dia você pode ser dissimulado e se omitir sobre o que sabe na CPI; outro dia, demonstrar seu caráter farisaico ao escrever no seu profile que odeia o Mau-mau, enquanto ouve dois setlists seguidos dele no seu iPod.

Declare-se temente a Deus e seguidor de seus ensinamentos, e na saída da igreja, dê uma piscadela pr’aquela gostosinha que vai entrando com o namorado. Chegando em casa, mande sua mãe pr’aquele lugar por que o bife tá muito passado. Deixe o resto no prato.

E aí, já praticou sua hipocrisia de hoje? Vamos lá, tá na moda! Siga o exemplo de nossos líderes. Afinal, colocamos os caras onde estão, por admirarmos suas condutas e caráteres.

E o melhor de tudo é que, depois de sua jornada diária de mendacidade, momice, rebuço e refolho, você pode declarar em alto e bom som, ou até mesmo escrever um protesto, dizendo: Odeio gente hipócrita!



*Fabiano Battaglin é publicitário, e votou conscientemente nas últimas eleições. No Lula, claro.

Queria ser o Superman

Ou o James Bond. Quem sabe até o Duda, da Cobras & Lagartos.

Imagine só, ter super-poderes, ou as bugigangas e carros mais modernos do mundo. Ou ter as “Bondgirls” Leona e Bel babando por você, mesmo mirrado, entregando pizzas pela zona norte.

Levar a Lois Lane para um vôo panorâmico por Metropolis, a Bel para um piquenique na pedra da Gávea, ou passear com a Lucy Liu a bordo de um Aston Martin sobre o gelo da Finlândia. Isso é só parte do processo. O que importa não é a força, a beleza, o dinheiro. Quer dizer, indiretamente, é.

Sabe o que elas querem? Protection, babe! Yeah! Proteção física, financeira, emocional. O que for. Sistema de vigilância por satélite, desodorante, pasta de dente, hoje tudo que é produto anuncia proteção. Esses sim, acharam o mapa da mina.

Por isso a predileção pelos fortes, ricos, corajosos. Las chicas querem se sentir seguras, imunes aos perigos do mundo. Querem confiar que seus machos as salvarão de qualquer ameaça do Lex, do Goldfinger ou do canastrão do Estevão. Parecem querer o pagamento pela salvaguarda materna oferecida in ventre antes de entregarem-nos à luz. “Vão lá, garotões. Fizemos nossa parte. Agora é com vocês.” Meio injusto. Mamãe nos protege, e, em troca, temos que proteger todas as mulheres que cruzam nosso caminho.

Os metrossexuais se arrumam, cuidam do corpo, usam o sublimador de cachos da Schwarzkopff, mas se enganam. Quem gosta de homem bonito é veado. Mulher gosta – não, não é de dinheiro – é de proteção.

As da high school querem os atletas, mais fortes, protetores. As setentonas vão à igreja procurando a proteção divina no juízo final. Até a Condoleezza Rice, eleita a mais poderosa do mundo, com certeza não dispensa um peito cabeludo pra repousar o rosto e se sentir segura.

Proteção, proteção, proteção.

É, o homem do futuro será o homem-modess: proteção dupla, com abas laterais.



*Fabiano Battaglin é publicitário, desempregado e não tão corajoso. Mas tem esperança.