segunda-feira, dezembro 8

À imagem

O cheiro era entre coentro e tangerina. A voz, uma mistura de Billie Holiday com Serj Tankian. A cor dos olhos variava do negro ao azul celeste, dependendo da temperatura e da luz. Gostava de poesia de dia e prosa à noite. Era totalmente mutável. Era todos, e ninguém. Bebia água e gasolina. Hoje amava, ainda hoje odiava. Amanhã estava indiferente. Era diamante e algodão. Democrata e republicano, ambidestro.

Assim eu me lembro dele, quando me acompanhou durante o coma. Só pediu que eu respeitasse as diferenças e escrevesse seu nome e seus pronomes com letra minúscula.

E fiquei mais humilde.

terça-feira, setembro 9

Why so serious?

Acabo de assistir O Cavaleiro das Trevas. Puta que pariu. O Heath Ledger tá muito bom. Juro que queria que ele matasse o Batman, o prefeito e o Comissário Gordon (que mais parece o Ned Flanders).

O mundo precisa de um pouco de anarquia, de fuzarca, de algazarra.

Vamos destruir os radares nas vias públicas, fazer gatos na TV a cabo, levantar a saia da freira e aplaudir o pontapé do Valdívia no Gilberto Silva! Que graça tem fazer a barba, declarar imposto de renda, ser vegetariano e adotar um africano?

Até o Galvão Bueno já entendeu o recado. Diz que o Brasil anda jogando “um futebol muito pragmático, né, Falcão?” e manda o Robinho pedalar pra cima deles. O Lula também está fazendo sua parte. Aparece de camiseta e boné na TV, toma sua cachacinha e não está nem aí para a Língua Portuguesa.

E o que acontece com eles? Rejeição. O povo quer acabar com os vilões, encarna o Batman chatão e vai para as ruas e para o Orkut gritar “fora Lula” e “eu odeio o Galvão Bueno”. Tá errado.

Precisamos de mais rebeldes, sejam eles sem causas ou sem calças. Não ao terno! Sim ao bundalelê!

Eu apóio o Coringa para presidente (o Lula pode ser vice). Ele reconhece que é louco, ama o que faz e quer proporcionar um pouco de diversão a todo mundo.

Temos que reconhecer que seriedade e responsabilidade não levam a lugar algum. Quer dizer, a um: stress. Vamos levantar a bandeira da loucura, que é mais leve e descontraída.

Quer uma prova de que ser maluco é mais legal? O que fez o Heath Ledger quando deixou de ser Coringa? Pois é. Que pena.

segunda-feira, setembro 8

Dei pra ouvir bolero.

A opção pelo verbo de duplo sentido foi proposital, pois confesso – a despeito das pregas ainda e por toda a eternidade intactas – que sempre achei o bolero um estilo musical no mínimo um tantinho afeminado (o famoso meio gay).

Na tentativa de arrancar uma explicação para o recente fato inusitado, investi num mergulho profundo ao meu eu lírico e analisei as possibilidades mais prováveis: estou mais sensível (ui!); estou apaixonado (ai!); estou velho (fudeu!)?

Ainda influenciado pelos sites céticos que andei freqüentando ultimamente, resolvi analisar todos os fatores supracitados fria e cientificamente, de modo a ser imparcial e totalmente franco comigo e com meu quase-a-se-comprovar ateísmo. Analisei-os segundo as proposições abaixo:

I - da sensibilidade
Pergunta: Pode um sujeito sensível não se abalar ao ver a desgraça alheia nas ruas e nos telejornais?
Resposta: Ri da queda do Diego Hipolyto e esnobei um pedinte esses dias num boteco da Augusta.
Veredicto: Hipótese I derrubada. Definitivamente, não sou sensível.

II - da paixonite
Pergunta: Pode um sujeito apaixonado ouvir quaisquer outros estilos musicais que não o representado tão romanticamente por Luis Miguel e Cia?
Resposta: Minha namorada, a quem eu amo e, por sua vez, também me ama, tem seis tatuagens e canta Cindy Lauper e Patrícia Marx no banheiro.
Veredicto: Hipótese II faz certo sentido. Patrícia Marx é quase tão brega quanto Luis Miguel. Ainda assim, hipótese derrubada.

III – da maturidade
Pergunta: Pode um sujeito jovem não se contentar com a riqueza musical e a abundância de talento apresentadas pelas bandas contemporâneas?
Resposta: Não chego a apelar para CPM 22 e Nx Zero, mas aprecio algumas bandas novas e odeio quem sustenta o clichê “não se faz mais músicas como antigamente”.
Veredicto: Apesar da queda de cabelo e de lembrar-me do Genius e do Lango-lango, ainda não estou (tão) velho. Hipótese III derrubada.

Após a maratona Myth-Busters, a um passo de concluir que minha bolerice (quase confundível com boiolice) era inexplicável, veio-me a luz. Não a azul, proveniente do som do carro que expulsava os primeiros versos de No Me Platiques Más pelos alto falantes, mas a luz do esclarecimento. As razões do fenômeno músico-comportamental eram, na verdade, três: um pen drive barato, excesso de confiança e uma rodovia duplicada vazia.

Uma semana antes, no Paraguay, paraíso dos importados para os desprovidos de 25 de Março que moram no Mato Grosso do Sul, perguntei a uma simpática vendedora quanto custava aquele state-of-the-art pen drive de 16 gigabytes. “En reales sale por ochenta y cinco, señor”. Como diria Armando Volta, comprei-o-o.

Já em casa, conectei-o-o ao laptop e carreguei-o-o com 16 giga de músicas modernas e descoladas. Estava eu preparado para minha viagem a São Paulo que faria no dia seguinte. Senti-me um explorador salvaguardado por seu canivete suíço. Pluguei o dito cujo ao som do carro e parti rumo à minha aventura.

Chegando a Água Clara, o pen drive pifou. Merda. Depois de uma longa e mal sucedida tentativa de ajeitar-me com as rádios, e de condenar-me pela burrice de confiar tanto na minha maravilha tecnológica adquirida nas bandas do “la garantia soy yo”, iniciei a busca por algo que me salvasse do martírio de dirigir sozinho pela Marechal Rondon. Pista duplicada, sem defeito, sem outros carros, sem curvas. Sem som.

Eis que abaixo o quebra-sol e, naquele porta-CDs que ninguém lembra que tem, nem mesmo na hora de tirar as bugigangas do carro antes de deixar no lava-jato, lá estava ele. Não era o Chapolim Colorado, mas era o que poderia, com não tanta astúcia, me defender naquele instante: o CD de boleros da minha mãe.

Esta, simples assim, é a explicação sobre como comecei a ouvir bolero. Só falta descobrir agora por que continuei. Talvez seja a idade. Talvez a paixão. Ou, vá lá, talvez eu esteja um pouco sensível.

Ah, já ouviu aquela ótima que começa assim “La puerta se cerró detrás de ti...”? Eu até choro. De amor, meu velho.

quinta-feira, agosto 28

Orgulho de ser brasileiro?

A equipe brasileira de futebol feminino desembarcou em São Paulo recebida por fãs elogiando a prata conquistada em Beijing. Ou seria criticando o ouro perdido?

A expressão da vez na nossa criativa e originalíssima mídia é “preparo psicológico”. Os meninos do vôlei de praia, as meninas da ginástica (inclui-se aí aquela que caiu sentada), os judocas, a todos faltou preparo psicológico para não amarelar no final.

Mas alguém falou disso ANTES das olimpíadas?

Brasileiro tem mania de arrumar desculpas para os fracassos. Durante o Pan 2007, todos heróis. Um ano depois, piadinhas na internet dizendo que o Brasil consegue mais bronze que bronzeamento artificial. Idolatraram o Thiago Pereira e o João Derly para depois enrabá-los em rede nacional. A Jade, coitada, daquele tamanho, deve ter doído. Cada hora um repórter encontra um país de nome mais estranho para dizer que está à frente do Brasil no quadro de medalhas.

Aí, depois da sessão mete-o-pau, é hora daquelas duas palavrinhas que ficam cada vez mais comuns: encontrar uma desculpa, mas também um culpado. A desculpa: falta de preparo psicológico. O culpado: o governo (de novo), por não dar o incentivo necessário aos atletas. Interessante, não? Ambas as palavras derivadas de uma só, a mais importante: culpa.

A culpa é do Bradesco, que deu um caminhão de dinheiro pro Thiago Pereira, e sequer sabia quem era César Cielo, porque precisava patrocinar um ídolo que desse resultado imediato entre o Pan e as Olimpíadas? E você, sabia quem era o “Cielão”, agora tão íntimo dos cidadãos brasileiros?

A culpa não é só do governo, não é só do Bradesco, nem dos CRPDs (Conselho Regional de Psicologia Desportiva, se isso existisse) do Brasil. É de todos nós. Somos imediatistas, preguiçosos e desinteressados. Ninguém se interessa pela Superliga de Vôlei, pelo Troféu Brasil de Atletismo ou pelos Jogos da Primavera da escola do Juninho. Mas quando chegam as Olimpíadas, procuramos desesperadamente um grande ídolo que faça o Brasil superar a Argentina no número de medalhas.

Esperamos mais um fracasso da seleção feminina para cobrar da CBF um campeonato nacional para as meninas, mas durante o ano só temos olhos para a UEFA Champions League na ESPN e, quando dá, damos uma olhadinha no campeonato brasileiro (de homens). Tudo bem, esse ano tem uma exceção deliciosa na Série B, que agora infelizmente não vem ao caso.

No Brasil, falta planejamento, dedicação. Falta entender que entre uma Olimpíada e outra, entre uma eleição e outra, existem alguns anos. E a cada ano olímpico, a cada ano eleitoral, vemos na mídia as mesmas estórias de sempre. E o mais triste, sem perspectiva alguma de mudança.

Michael Phelps é supercampeão. Michael Schumacher já foi. E a nossa Maicon, junto com o resto da seleção feminina? Como diria o Capitão Nascimento, “nunca serão”.

*Fabiano Battaglin é brasileiro e não desiste nunca.

quarta-feira, abril 9

Guia do racional contraditório

Ventilai as consciências, vossas damas interiores.

Tende controle sobre vossos apetites e paixões.

Sede austeros em vossas decisões.

Racionalizai-vos.

Mas amai.

segunda-feira, março 24

Back 2 net

Após um não-tão-breve-quanto-eu-gostaria período de exclusão digital, volto com força total. Mais honesto e sincero, devido ao mais extenso tempo livre dedicado a divagações, confesso que esse texto já estava pronto antes mesmo do técnico comparecer ao meu recinto para o restabelecimento do sinal. Claro, minha inspiração não vem de fatos, mas de doses. E quem garantiria que ao retorno da internet estaria eu sob efeito alcoólico? Não custa prevenir.

Foi bonito. Tive mais tempo para ler, dormir, comer e beber. É impressionante o tempo que a checagem de e-mails, scraps e o download do último álbum do Hot Chip nos toma. O que será que as pessoas faziam na remota década de 90, quando ainda não existia a worldwide web? Minha avó paterna plantava morangos, a materna fazia palavras cruzadas da Coquetel. Meu pai tinha um caso com a secretária (resultado: tenho um irmão 3 meses mais velho que eu), minha mãe fumava 2 maços de Free longo por dia (não que isso tenha diminuído quando instalaram a internet lá em casa. Piorou), e eu... o que eu fazia?

Lembro que tinha 14 anos. “Nossa, é muito melhor que as BBS!” Você, caro leitor, mimado por googles e orkuts, não deve saber o que é uma BBS. Não que eu seja velho, apenas tecnologicamente iniciado um pouco antes do resto de meus convivas. Montei até um site. Fazia gifs animados usando o Paint Brush a bordo do meu 486 DX2 66, ficava impressionado quando o Netscape conseguia carregar uma foto, acessava o mIRC sob o codinome Morrisson (sim, com dois S, pseudo-fã do The Doors, não sabia nem a grafia correta do nome do Jim, coitado), passava tardes e noites no ICQ e dormia nas aulas pela manhã.

A internet roubou parte da minha transição infância-adolescência. Parei de soltar pipa e jogar bola. Engordei (adoro arrumar desculpas pra minha fome fora do comum). Felizmente, hoje sou um homem mudado. Já não dependo do número de scraps ou e-mails para saber que sou querido e popular.

Bem, depois eu continuo esse texto. Vou abrir minha caixa de e-mails.

sábado, fevereiro 9

Carta que qualquer mulher sonha receber de um homem*

Eu já sabia, mesmo antes de tentar, que a tentativa seria nula. Não te doarias muito mais que eu, mesmo a minha doação sendo agora consciente, portanto, ínfima. Mas, insinuante, me fizeste acreditar que eram promessas aqueles jogos de solidão que descontavam teus ciúmes e a tua insegurança.

Encarando tuas bochechas frias e teus olhos vagos, lutando contra minha vontade de fugir, hoje, totalmente teu, aqui confesso: prefiro jogar teus jogos a praticar qualquer esporte individual.

Assim como falei àquele samba que guardei no bolso da minha camisa azul xadrez, escrito em comprovantes de venda a débito, composto dentro de três doses de Claudionor, e mais que o triplo das de Original ou outra qualquer:


“Meu amor é uma puta

Que se vende ao primeiro olhar teu.

Teu amor raso, sem promessas,

No máximo de insinuações.


Não sei se me vendo ou me rendo,

Pois teu amor não vale nada.

E eu te compro mesmo assim.


Te compro caro,

Me vendo por nada,

Mas jogo teus jogos

De brincar de ser teu.”


Um dia eu almejei um teu abraço como um meu, com amor e com sabor, e uma certa iniciativa.

E, burro, ainda te amo. Vem.


*Para descontar as noites de Cosmopolitan e lágrimas que nós, homens – sim, nós sabemos – as fazemos passar.