quinta-feira, outubro 1

ENEM? Nem.

O que o Exame Nacional do Ensino Médio e a Gillette têm em comum? Aparentemente, diria alguém desavisado, nada. Porém, ao se analisar minuciosamente os acontecimentos dos últimos meses, pode-se perceber que há grande conexão.

Em agosto deste ano, a Gillette lançou na internet um simulado do novo ENEM (www.mach3apostaemvc.com.br), para que os estudantes pudessem testar seus conhecimentos e se preparar para a prova, que ocorreria nos dias 3 e 4 de outubro. À primeira vista, a ação, comumente praticada apenas por empresas diretamente ligadas à educação, como escolas, cursos pré-vestibular e veículos de comunicação direcionados a estudantes, não fazia muito sentido. Entretanto, um olhar mais atento às práticas contemporâneas de marketing revela uma excelente estratégia por parte da marca de lâminas de barbear. A intenção da Gillette era trabalhar sua imagem junto a um público jovem que poderia comprar seus produtos durante um longo período. Afinal, cerca de 50% dos inscritos na prova passará o resto da vida fazendo a barba, enquanto a outra metade poderá utilizar os produtos em pernas, axilas e outras partes do corpo que julgue necessário.

A idéia de fidelizar uma grande parcela da sociedade, no entanto, não foi apenas da Gillette. Na verdade, esta apenas aproveitou-se de uma tática populista e eleitoreira engenhada pelo governo federal e pelo PT, aplicada pelo MEC e sua cabeça pensante, na figura do ministro Fernando Haddad (que, dizem, pleitearia um cargo executivo ou legislativo no ano que vem). A instituição resolveu, no primeiro semestre de 2009, mudar o sistema de seleção de candidatos a vagas nas universidades brasileiras, sob o pretexto de facilitar a vida dos estudantes que, segundo as justificativas do ministério, gastavam tempo e dinheiro excessivos para poder participar dos processos seletivos de várias universidades por todo o país. A proposta era unificar os vestibulares em uma só prova, que foi pintada como a solução para os problemas dos jovens brasileiros – principalmente os de classe mais baixa: o todo-poderoso novo ENEM.

A detecção dos problemas foi eficaz. A proposta de intervenção seria eficiente, caso não falhasse em vários aspectos, dos quais enumeram-se apenas alguns a seguir:

1 – planejamento e respeito aos trâmites de adaptação dos alunos e das instituições de ensino médio foram ignorados;

2 – várias das universidades públicas não aderiram à unificação dos processos seletivos;

3 – a maioria das universidades que aderiram utilizará o ENEM apenas como parte de seu processo de seleção, mantendo a segunda fase do processo no modelo tradicional e, em alguns casos, mantendo também sua primeira fase;

4 – o candidato teve de pagar, além da inscrição para o ENEM, taxas de inscrição para as outras provas que compõem os processos seletivos citados no item 3;

5 – o novo ENEM é composto por 180 questões de múltipla escolha, mais uma redação, a serem completados em 10 horas de prova, modelo que, ao invés de privilegiar o conhecimento, dá mais importância à resistência física do candidato;

6 – questões da prova vazaram dois dias antes de sua aplicação, quebrando a confidencialidade e, juntamente com esta, a credibilidade do processo e também da instituição que o idealizou.

Devido ao derradeiro imbróglio com o sigilo das questões, o MEC anunciou, em 01/10/2009, o adiamento da prova por pelo menos 45 dias, o que certamente prejudicará o calendário das universidades que dependem dela para a seleção de candidatos. O resultado é uma grande interrogação pairando sobre a cabeça dos 4,1 milhões de estudantes inscritos, que já não sabem quando e como serão realizadas as etapas mais importantes da atual fase de suas vidas.

A estratégia do governo, de conquistar jovens eleitores que, teoricamente, teriam seu ingresso em instituições de ensino superior feito de forma mais justa, parece ter saído pela culatra. A Gillette pode até ter sucesso em conquistar jovens clientes. Já o governo, cuja intenção era fazer barba, cabelo e bigode com uma fatia significativa de jovens eleitores, termina por cravar uma lâmina na própria garganta.

É o Brasil.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bravo!

Anônimo disse...

Excelente!!!!