sexta-feira, dezembro 14

Da série “Delícias de morar em Sampa”

O que você faz num fim de tarde de sexta-feira, quando sai do trabalho? Toma uma gelada num boteco? Pega um cineminha? Vai ao shopping?

Hoje eu ouvi jazz. Tá. E daí? Bom, eu ouvi jazz em baixo do Obelisco dos Heróis de 32. Hã? Sim. Em baixo.

Sexta-feira, 19h05. Você fica feliz porque acabou o trampo. Mas fica triste porque vai ter que enfrentar algo talvez mais estressante do que o trabalho: o trânsito de São Paulo. Com um agravante: é sexta-feira. Mais um: está chovendo.

Entro no túnel Ayrton Senna. Dá vontade de abrir a janela e perguntar pro motorista ao lado onde é o enterro. Parece mais cortejo aquela fila de carros vagarosamente se arrastando um atrás do outro. E vejam só o disparate que a CET ainda tem a coragem de fazer: as placas dizem que a velocidade permitida é de 70km/h. Como se alguém conseguisse passar dos 20! Daqui a um tempo ao invés de velocidade permitida, as placas indicarão a velocidade possível. Mas, antes o ritual fúnebre ao que ocorre depois: tudo pára. Olho para cima, e vejo a placa indicando o que está sobre mim, no parque Ibirapuera. Obelisco dos Heróis de 32. Ok, mas para que saber o que tem ali, se eu não posso ver? Faz tanto sentido quanto aquelas perguntas do tipo “por que o Pato Donald sai do banho enrolado na toalha, se ele não usa calças”? Agravante número 3: dentro do túnel não pega rádio. 4: nem celular. Abro o porta-luvas, e lá está a salvação. Um CD do Herbie Hancock. Só assim para me acalmar um pouco. E fiquei ali, no conforto do meu carro popular sem ar-condicionado, ouvindo um jazz de qualidade. Só faltou um Jack Daniels e um charuto pra deixar minha sexta-feira perfeita.

Moral da história: sempre tenha um CD de jazz dentro do carro nas sextas-feiras chuvosas de São Paulo. Ah, de preferência com mais de 7 músicas. Minha alegria durou pouco.

Como diria uma canção do LCD Soundsystem, adaptando só o nome da cidade: “São Paulo I love you, but you’re bringing me down”.

Lingüiça Toscana, Pedro de Lara e os novos All Star

Entre uma e outra ida à cozinha para verificar o ponto da lingüiça – odeio trema – toscana que está no forno (o quilo do contra-filé atingiu os R$15,00, mesmo sem inflação), penso no Pedro de Lara.

A primeira página real da revista Trip de novembro traz uma foto do saudoso jurado do show de calouros do Sr. Abravanel, acompanhada de uma de suas citações: “Tem gente que é tão pobre, mas tão pobre, que só tem dinheiro”.

Então resolvi divagar sobre o dinheiro.

Ia iniciar a divagação com a frase “no mundo consumista em que vivemos”, mas achei muito dissertação de ensino médio, e no mundo consumista em que vivemos isso seria brega, pois hoje em dia rola uma dicotomia interessante: o hippie é hippie-chic. Não usamos All Star porque é barato, mas porque usar algo barato está na moda.

A moda é usar o dinheiro pra fingir que não se tem dinheiro. A gente critica a playboyzada que paga 70 mangos na Lotus, mas gasta 80 num “pico descolado”, cheio de gente interessante usando All Star ou tênis old school da Nike. E ninguém compra aquele All Star verde que custa 59 pilas. Só valem os mais style, de 99 pra cima.

Você liga a televisão e te mandam desligar a televisão para ir ler um livro. Aí você vai até a Fnac ou a Livraria Cultura e compra a edição mais bonita do Cem Anos de Solidão, pra enfeitar sua prateleira. Mas calça da Diesel? Neeeeem fudendo!

O Pedro de Lara é que sabia das coisas. Ganhava seu dinheiro dando notas ao lado da Flor e da Elke Maravilha, usava um terno de segunda com gravata-borboleta, e – segundo dizem – era feliz.

Segundo clichê mais que esperado do texto: “Dinheiro não traz felicidade”. Isso é papo de pobre. Eu queria ter muito dinheiro. Ia comprar picanha, vários All Star e vários livros.

Essa cultura fake me incomoda. E o pior é que eu faço parte dela. Vai dizer que você não me achou super cool quando leu que eu estava cozinhando (uau! Acho um charme homem que cozinha) uma LINGÜIÇA TOSCANA!

Agora só falta esquentar o meu arroz com brócolis.