quarta-feira, outubro 31

Uvacefalia

O Lúcio Flávio viciou em uva sem caroço. Ansioso, adorou a idéia de não precisar tirar a casca ou cuspir as sementes. Quando o doutor Amaury citou frutas como parte da dieta, Lúcio relutou. Sugerido o melão, resmungou: “Putz, tem que cortar, tirar as sementes, botar pra gelar”. Sobre a manga, reclamou: “Mas e todos aqueles fiapos nos meus dentes? Eca!” A uva sem caroço era a salvação.

Até se perguntar como era possível cultivar uma uva sem caroço. “Não dá pra pegar uma semente de uva sem caroço e plantar uma parreira de uvas sem caroços”, concluiu. “Será que é transgênica?” Abriu a Barsa (não, não acessou a Wikipedia – a Barsa é muito mais charmosa) e encontrou a explicação biólogo-genética para o fato: as células-tronco da uva são modificadas geneticamente e são transformadas em novas uvas. Estas, sem caroço.

“É como se alguém te clonasse, e o resultado fosse um ‘você-sem-cérebro’”, refletiu, indignado, o Lúcio Flávio.

Tudo bem, existem milhares, milhões de uvas sem caroço por aí. A espécie americana, também chamada de uva-sem-calcinha, é conhecida por guiar embriagada e ser flagrada em posições generosas pelos paparazzi. Já as inglesas perambulam alucinadas por festas Rave na cena underground do país. Na Coréia, querem ficar iguais às uvas ocidentais e chegam até a fazer cirurgias ósseas para alongar as pernas.

E o Lúcio Flávio pensou: “Coitadinhas, são apenas imitações baratas das outras uvas, sem personalidade própria, sem capacidade de pensar”!

Mas a mais impressionante de todas é uma espécie híbrida cultivada apenas no Brasil, mais especificamente plantada no agreste Pernambucano, modificada no ABC Paulista e vendida em Brasília: a uva sem caroço e sem mindinho.

O Lúcio Flávio ficou boquiaberto. Foi comer jabuticabas.

*Esta é uma obra ficcional. Todos os personagens, incluindo o simpático Lúcio Flávio e as uvas-cotôcas, são apenas fruto (fruta?) da imaginação do autor.

terça-feira, outubro 23

Cadê meu Rolex?

Do Terra: “Pesquisa: 62% dos usuários declarados de droga são da casse A."

Declarados. Lógico. Pobre vai reconhecer que usa droga? Tem medo de ser preso.

Aliás, sabe aquele clichê de que só pobre que rouba galinha é preso, blá blá blá? É verdade. Os que roubam Rolex estão livres, né Huck? Mas não por falta de esforço por parte das autoridades “comovidas” com o belo e inconformado texto escrito pelo apresentador.

Da Folha: “Corregedoria investiga policial que diz saber de Rolex de Luciano Huck.”

Agora vão chamar o GOE, e quem sabe o BOPE (desculpem, não resisti) para recuperar o valioso relógio do narigudo. Valor sentimental, é claro.

Quando roubaram o meu Celtinha – que não tinha valor sentimental algum, mas servia pra me levar pro trabalho –, ouvi do Seu Polícia na delegacia: “Preenche aí o B.O., mas achar, não acha não. Já era.”

Tudo bem que o Rolex dele vale muito mais que o meu Celtinha, mas dá pra pelo menos fingir que vão procurar? Só pra renovar (?) o meu sentimento de orgulho e admiração pela competentíssima Polícia paulistana.

Na copa de 2002, ao comemorar o gol cagado do Ronaldinho contra a Inglaterra, pulei de alegria. Pulei tanto que fui parar no fundo da piscina. Quando saí, verifiquei que o relógio que havia ganhado dias antes não estava mais no meu pulso.

Se fosse o do Luciano, iam chamar os mergulhadores da Marinha.

*Fabiano Battaglin realmente teve o carro roubado, mas não é da classe A. Portanto, não usa drogas e o relógio que perdeu não era um Rolex.


Update: Após postar o texto acima, entro no Terra e encontro: "Pesquisa: 27% dos alunos dizem que já foram agredidos na escola." Pensei em escrever outro post dizendo que é óbvio, adolescente não reconhece que apanhou. Mas ia ficar repetitivo. Losers!

sexta-feira, outubro 19

Asfalto é da elite

Li no blog do Baroli: “Sem meias palavras, conhecemos as entranhas da instituição que combate e colabora com a desgraça, com a tristeza do morro que fornece alegria para o asfalto.”

É um trecho da crítica (?) do jornalista ao “Tropa de Elite”. Mas minha intenção aqui não é falar do filme, assunto batido. Ao ler a frase, lembrei do Diogo Mainardi. Já gostei mais dele. Hoje, acho muito do contra, só critica. Principalmente o Brasil. Mas nesse assunto, particularmente, hei de concordar com ele. Na nossa terrinha tupiniquim, asfalto vira sinônimo de luxo, progresso.

A tristeza que sai da terra batida da favela na mochila jeans de um universitário descolado, chega ao asfalto do bairro chique pra fazer a alegria no pôr-do-sol em Ipanema. Ipanema, Jardins e afins. Não é uma questão só do Rio de Janeiro, ou da São Paulo.

“A América Latina só é boa pra emigrar”, diz o Diogo. “Esse Diogo é um fanfarrão”, diz o Fabiano. Mas esse último pensa melhor e tem que apoiar. Num país onde uns escrevem textos ralos a bordo de um laptop numa tarde de sexta-feira, outros servem de aviãozinho no morro (sem asfalto) sob a mira do calibre 12 do Capitão Nascimento. Que ganha quinhentos reais.

Aí a nossa elite, que não é a tropa, faz manifestos online contra a CPMF e o bloqueio de celulares. Enquanto isso, na favela, eles não querem só comida. Querem asfalto também.

*Fabiano Battaglin é contra a CPMF e o bloqueio de celulares. É um absurdo!